Centro de tradições Gáucha de Uberaba - MG
Cultura Nativa
Poesia: No Ventre da Negra
No ventre inchado da negra
Que caminha, tão sem jeito,
Respira um anseio louco
Que lhe traz dores ao peito:
Sabe a negra, nascerá,
Outro inocente sem leito!
Pensa, num primeiro instante,
Em deixá-lo para adoção;
Mas, logo após se dá conta,
- E isso, até para pobres é afronta -
Que aqueles, da tez escura,
Não são alvos de procura
Por lares desabitados
E, assim, esses coitados
Sem famílias pretendentes
Seguem a vida, vão em frente
Sem saber aonde chegar
Pois a travessia de estar,
Nas brumas do preconceito,
É trilha sem rumo feito,
Difícil de caminhar.
E, sem saber, o inocente,
Do que o espera lá fora
Se remexe, incomodando
A mãe que, sabendo, chora...
- Como posso ser feliz,
Aqui, tão-só e agora,
Sabendo que o pai dele
Evadiu-se, foi-se embora
Não lhe deixou, nem ao menos,
Um tostão ... muito embora!
Lembra a negra, sobressalta:
Eu ainda tenho uma escora,
Pegando do bolso um retrato
Da Virgem Nossa Senhora!
Contempla ao tal retrato,
Como se a Deus contemplasse,
E homem algum saberia
- Por mais que se esforçasse -
Qual razão teria feito
A negra de feia face,
Mudar brusco seu semblante,
Pois vendo a foto, renasce:
Rebrota dentro de si,
Da alma, a inspiração
E no íntimo escaninho do peito,
Na arca do coração,
Sente abrigarem-se sonhos
Que outros jamais terão:
Pois não é que a ´Escurinha´
Tive uma tal visão;
Visão essa – disse Ela,
Muito além da imaginação:
Avistara nesse instante
Sua infância, sem escola,
A família desprovida
Seus irmãos, pedindo esmola.
Mais adiante, viu a negra,
Seu preto pai, adoentado
Já corroído pelo vício
Que o havia escravizado
Escondendo silentes anseios
Que com ele morreram maneados.
Sua mãe, Sinhá parteira
- assim era conhecida –
Amamentou tantos piás
Sem nunca cobrar a ´lida´
Sem contar todos aqueles
Nos quais viu brotar a vida.
No entanto, Sinhá Parteira
A negra mãe desta preta
Quando velha, entordilhando,
Precisara de muletas;
Suas forças fraquejaram;
Ainda não, seu ideal!
Porém, quase padecera
Ao ingressar em um hospital
não por força da fraqueza,
Mas em vista de outro mal:
Não! - Lhe disse uma moça -
Sem dinheiro aqui não entra!
E a senhora, ainda mais,
Pois, além de pobre, é preta!
Seu irmão - negro Maurílio,
Figura mui conhecida,
Há tempos perdera a vida
Num embate com a polícia;
E sua mana, Doralícia,
Famosa nas bacanais,
Lugar de onde jamais
Soubera boas notícias.
Apesar de sua família
Haver tido um destino ingrato,
Ao vislumbrar o retrato
Da Santa Mãe de Jesus,
A negra enxergou a luz
No túnel da sua esperança,
Lhe avisando que a criança
Que junto ao ventre trazia
Tem uma missão e seria
O prenúncio da nova vinda
Na qual aqueles que ainda
Não entenderam a verdade
Teriam a oportunidade
De viver, a vida pura
Conhecendo, sem procura,
A verdade por inteiro:
`os últimos serão os primeiros,
E esses, de pele escura'.
Autor: Waldemar Menchik Júnior
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